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CULTURA SANTANENSE

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sábado, 29 de janeiro de 2011

#Produções da terra#


“O MATUTÊS”
Faltavam menos de dez minutos pra terminar a última aula lá na Escola Municipal “Gentil da Catingueira”, da cidade da Maracutaia, quando D. Vilhelmina passou o trabalho. Dona Vilhelmina era aquele tipo de professora frustrada com a profissão, mas mesmo assim se esforçava pra dar o seu melhor. Em resumo, era melhor do que não ter professora nenhuma.
Ela disse: “O trabalho é sobre as diferentes formas de linguagem no interior. Pesquisem e tragam próxima aula.” Não sei de certo porque, mas algo naquele tema me intrigou, e decidi realizar uma pesquisa bem profunda na própria Maracutaia. Ao chegar em casa fiz meu plano, meu roteiro de pesquisa e comecei no outro dia. Era sábado e fui ao Posto de Saúde e lá encontrei Seu Doquinha e sua mãe Marcionila. Cheguei perto e perguntei: “ veio se consultar Seu Doquinha?.” “Não, vim só acompanhar mamãe”, respondeu. E eu completei: “E a veinha ta doente de quê?” “Rapaz, mamãe ta com uma privacidade medonha.” Estranhei a doença e pedi que me relatasse o diagnóstico do estado de sua mãe.
“Ôme” começou ele, “diz que ta com três dias que se espreme e num sai nem vento, ocê acredita numa privacidade dessas?” entendi que na verdade Doquinha se referia a prisão de ventre, mas nada reclamei. Terminei a conversa e saí de lá achando que tinha encontrado o foco do meu trabalho.
No dia seguinte tinha missa e me dirigi a casa de Deus com o objetivo de encontrar mais conteúdo para o trabalho. Na dita missa o Vigário Mariano pregava para o seu rebanho com o seguinte refrão:
- meus irmãos e minhas irmãs. Se eu tenho fé e vós também tendes fé, vamos juntar nossas fezes e seguir rumo à casa do Pai!
Tocado no fundo por aqueles pensamentos, segui na segunda-feira para o açougue comprar a carne. Seu Nonato conversava com o fazendeiro Dedé sobre um animal que havia matado: “Seu Dedé e a rês? Como é que foi a matança lá?” “rapaz, o trabalho maior foi com o resto do bicho. Tu acredita que tiramo mais de cincos quilos de fatos?”
Na véspera da entrega do trabalho sentia que ainda faltava alguma coisa. Então aproveitei o tempo da política e fui assistir a um comício lá no Riacho dos Gritos. O candidato Zé Rato se vangloriava de sua resistência física e clamava: “Eu to aqui no Riacho dos Gritos desde manhã só com um ovo!” seu Bernardinho do Jogo do Bicho relembrava fatos bastante pessoais do sofrimento de sua infância: Eu me criei aqui na Maracutaia desde pequeno, dormindo em cama de pau duro!”Pedro Golinha terminava atiçando os adversários: Vocês pensa que bota papa na minha língua? Vocês bota é merda!”
Tinha chegado ao auge do meu entendimento sobre o que Vilhelmina pedia no trabalho, mesmo inconsciente. No outro dia, apesar de um tanto ressacado, apresentei-me a turma e versei meu trabalho assim:


No falar do matuto
Outro dia é astrurdia
Alvoroçado é se por acaso
Sentir grande alegria
Caiga é o peso que o jumento
Leva no seu dia-a-dia.

Um colar se chama volta
A cabeça tem moleira
O frango é o galeto
Desinteria é caganeira
Corrida já é carreira.

Até privacidade de ventre
Já teve a sua vez
São palavras engraçadas
Dentro do português
Formando outro idioma
Quem sabe o matutês.
Autor: Bruno Albino

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